quinta-feira, 30 de abril de 2015

Abril sem fumaça

Oleg Oprisco

Para ler ouvindo Yann Tiersen 

Gosto de abril. Descobri que é perfeito na hora de preparar o espírito e a casa para os dias frios que logo chegarão. Lavar cobertores, arrumar agasalhos, espalhar tapetes pelos quartos. Faz-me recordar do tear. Aquele que passou todo o verão escondido e agora parece sussurrar: “Ainda posso cumprir as promessas do inverno passado”.

Por todo abril, caminhei procurando árvores nuas. Mas os morros da ilha revestem-se de verde e apenas uma ou outra espécie rasga o céu com seus galhos desnudos. Ainda assim, abril me enternece. Gosto do cheiro úmido que sinto no ar, no final da tarde, e do barulho das folhas no chão, quando arrastadas pelo vento. Tais impressões me levam a pensar na obviedade do charme outonal. Sim, abril ficou ainda mais bonito.

Mas, mesmo reconhecendo isso, não posso afirmar que o outono seja a única razão de minha empatia. Porque a verdade é que tudo me encanta mais nesta época do ano, esteja eu onde estiver. No Acre, terra onde passei a maior parte da minha vida, o mês de abril chegava trazendo alegria nas últimas chuvas do inverno amazônico. Era o fim da lama, acompanhado da abertura de estradas e ramais – até então, isolados pela estação chuvosa. Uma trégua que acalmaria também as tristonhas orquestras de sapos – aquietando meu coração, tão inclinado à melancolia.

E, se eu tivesse que expressar em uma única palavra o significado de abril, eu diria: promessa. Porque seco ou úmido, seu ar sempre exalou um odor de espera. A espera pelo fim da chuva; por um dia de sol para secar as roupas e, agora, pelo frio.

Mas há algo, neste abril, me entristecendo. Uma voz constante, uma contagem progressiva martelando na minha cabeça. Agora mesmo, ela avisa: você acabou de completar 27 dias, duas horas e 35 segundos sem fumar. Tento silenciá-la, gritando “Deixe-me em paz, quero apenas seguir olhando abril”, mas de nada adianta. Porque o relógio invisível segue contando os segundos, os minutos, as horas dessa agonia. E eu, que queria apenas contemplar as manhãs de abril, sinto-me massacrada pela ausência daquele que foi, por 17 anos, meu companheiro de todas as horas.

Então saio à rua. Distribuo “bons dias” aos vizinhos e sigo para a padaria. Lá, entre o pão e o troco, há sempre algum desconhecido disposto a escutar-me dizer “parei de fumar”. Porque é imperioso que eu repita isso. Não para que os outros saibam, nem mesmo para ouvir as felicitações. Mas para que eu mesma escute. E não esqueça da promessa de que este esforço me devolverá a respiração fácil, o olfato apurado, o paladar aguçado e um pulmão novinho, em dez anos.

Até lá, sigo me esquivando dos açoites invisíveis. Das chicotadas que cortam minha carne em meio às madrugadas, abrindo enormes interrogações. Conseguirei escrever sem o cigarro? Ah, essa promessa que é abril...

Abril simplesmente me soa poético. É o mês no qual mais tempo eu gasto contemplando a chuva ou o sol.


P.S.
Crônica escrita em um abril perdido no passado e incluída em meu livro Indagações de Ameixas (Multifoco, 2011). 

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