Robert Doisneau
Para ler ouvindo As palavras
As palavras ressoam e provocam, sem permissão, a dança da menina. E ela gira, gira, salta entre sorrisos e crenças distribuindo ao vento a fugaz alegria. Tão ingênuos e famintos seus olhos! Puxo-a docemente pela mão (sinto tristeza ao vê-la entre as mandingas do amor) e tento tirar de seu rosto, agora tomado pela criação, o riso aberto da alma:
– Não se distraia, menina! O
mundo é duro, o homem é duro.
Penso em dizer-lhe, amorosamente,
de como anda volátil a vida. Mas são tão frágeis e ao mesmo tempo fortes seus
músculos, sobretudo o pequeno e rubro coração, que me retraio envergonhada.
Há tempos fizemos um trato. A ela
coube a leveza da brisa; a mim o peso do concreto, essa massa cinza e
desconfiada das coisas. Mas quem, hoje, pode se fiar no bigode inexistente? (Ah,
tantas e tantas vezes ela me deixou sem chão, destruindo, com uma única palavra,
o modesto edifício que ergui à sombra de seus rodopios!).
Sei que é sem maldade, mas o fato
é que a menina zomba de minhas inúteis tentativas de lhe educar para a vida
entre os homens: e eu, ainda sentindo na face o roçar da ponta de seu vestido
azul de bolinhas, caio cansada e muda em suas trampas.
– E se eu te der um chocolate?
Queres mingau, farinha láctea, leite em pó com nescau?
Corro à cozinha e busco aveia, açúcar, leite, canela. O cheiro morno toma conta da casa. Gosto das borbulhas e do movimento rápido e preciso com a colher de pau: vigiar o fundo da panela. Deixo, então, esse calor da infância tomar conta de mim enquanto penso (mas silencio):
– Menina, menina! Aquieta teu coração, que a vida corre solta e veloz. Não há mais tempo para tuas acrobacias na Monareta lilás.
O mingau tem o efeito de um abraço ou cafuné de avó. O mingau até hoje me acalma.
3 comentários:
Somos meninas para sempre.
... isso dá um trabalho, Marilia!
Uma pérola!
Sejamos sempre meninas. Dá trabalho, mas...
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